quinta-feira, 21 de abril de 2011

Celebrar a Páscoa de Cristo com a nossa

A palavra "Páscoa" quer dizer, passagem. Ela designou, no início, a passagem do povo hebreu do Egito, que deu pelo Mar Vermelho até a terra prometida. Também designou a passagem do anjo devorador pela frente das casas dos hebreus, que tinham pintado suas portas com o sangue do Cordeiro imolado, ao passo que o anjo entrou nas casas dos egípcios, para matar ali os primogênitos. Já "espiritualidade" não designa algo não material ou físico, mas necessariamente uma referência ao Espírito Santo, no qual vivemos e celebramos, com o qual, de certo modo, convivemos e concelebramos a nova Páscoa, a Páscoa de Jesus, que também é nossa.
De fato, podemos viver e celebrar no Espírito Santo, porque no Batismo nos foi dado o Espírito do Pai e do Filho, que nos fez filhos e filhas do Pai do céu e irmãos e irmãs de Jesus. Sobre Ele, já concebido do Espírito Santo, repousou o Espírito. São Paulo o chama na Primeira Carta aos Coríntios, com razão, "nossa Páscoa" (5,7). Chama o assim porque toda a sua vida no Espírito era uma passagem por este mundo, que se completou em sua morte na cruz, quando foi imolado para que também nós pudéssemos passar, como Ele, deste mundo para uma vida nova de  ressuscitados.
Páscoa, no entanto, não é apenas a morte e a ressurreição de Jesus e, em comunhão com Ele, o viver e o morrer dos cristãos individualmente. Páscoa é também a Igreja, desde o seu nascimento. Quando Jesus, morrendo na cruz, passou deste mundo para o Pai (cf. Jo 13,1) e "entregou o espírito", conforme muitos padres antigos da Igreja, aconteceu para o evangelista São João aquilo que para São Lucas era Pentecostes: o nascimento da Igreja, que São João vê ainda simbolizado pelo sangue e a água que jorraram do lado aberto de Jesus, sinais dos principais sacramentos da Igreja, que são a Eucaristia e o Batismo.
Uma vida pascal - Nesse sentido, diz o Concílio Vaticano II, em sua constituição sobre a liturgia: "Do lado de Cristo, dormindo na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja" (SC, Sacrosanctum Concilium, 5). Como a Igreja, desde as suas origens, vive e age no Espírito, nos mostra claramente os Atos dos Apóstolos, quando relatam como o Espírito Santo orientou e impulsionou a Igreja em sua ação evangelizadora (cf. 4,8; 13, 2.4; 15, 28; 16, 6s). O núcleo da pregação dos apóstolos era sempre a morte e a ressurreição do Senhor.  Testemunho claro de uma vida pascal dão também os mártires e todos os que em seu sofrer e morrer completam "o que faltou nas tribulações de Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja" (Cl 1,24).
Todavia, a Páscoa se vive não apenas na Igreja, mas  como os bispos latino-americanos em Medellín (Colômbia) declararam, "não só no desejo impaciente do homem para alcançar sua total redenção", mas também naquelas conquistas que o "homem vai fazendo, através de uma atividade no amor".
Compara-se o verdadeiro desenvolvimento, "a passagem de condições menos humanas a condições mais humanas" com a passagem de Israel pelo Mar Vermelho. Portanto, podemos realmente ver a história atual como "Páscoa do povo na Páscoa de Cristo". Os bispos reunidos em Medellín concluíram esta reflexão, apresentada na "introdução às conclusões", constatando que "nesta assembléia (...) renovou-se o mistério de Pentecostes".
Na base desta fundamentação bíblico-histórica de uma espiritualidade da Páscoa,  é fácil ver o Espírito Santo presente e agindo em nossa vida e história imbuídos de espírito pascal, em nossas celebrações realizadas "na força do Espírito Santo" (SC 6) e em nosso viver e agir novos no Espírito de Cristo ressuscitado.
Uma vida renovada - Na verdade, tudo que vivemos com Cristo e em Cristo, nossas alegrias e tristezas, nossos esforços e sofrimentos, nossas derrotas e conquistas nas lutas pela causa do Reino - tudo isso é participação na Páscoa de Cristo. Mas também nossas fraquezas e omissões, nossos erros e pecados, trazemos para as nossas celebrações. Pedimos perdão pelo que era negativo, mas sobretudo agradecemos, não somente aquilo que conseguimos realizar com a ajuda de Deus, mas ainda a ação d'Ele em nosso favor, na história da humanidade e em nosso favor particular.
Celebrando assim a Páscoa de Cristo com a nossa, já na própria celebração acontece uma transformação do nosso ser, uma passagem para uma vida renovada, antecipação da Páscoa definitiva, que acontecerá quando o Senhor da glória virá para cada um de nós na nossa morte e no fim dos tempos, para "a criação inteira (que) geme e sofre as dores de parto". Teremos uma nova visão da realidade em que vivemos, pela Palavra de Deus que ilumina mais claramente a nossa vida e ação, e pela força que recebemos particularmente da mesa eucarística, de modo que seremos capazes de transformar em Reino de Deus o nosso pequeno e grande mundo.
Se vivemos e celebramos neste Espírito a Páscoa anual,a culminância de todo o ano litúrgico, com sua preparação na Quaresma e com a Campanha  da Fraternidade, até o grande final em Pentecostes, mas também a Páscoa semanal de cada domingo e as festas do Senhor, da Mãe de Jesus e dos outros Santos e Santas; se celebramos no espírito pascal os outros sacramentos; se rezamos "sem cessar" com a Igreja, de preferência o ofício divino, mas também não desprezando as formas populares de oração e piedade; e se nossa vida e nosso agir estão em consonância com a Palavra de Deus que ouvimos celebrando e estudando-a em grupo e em particular; se vivemos e agimos de acordo particularmente com aquilo que celebramos no sacrifício eucarístico, entregando-nos em nosso dia a dia para que nossos irmãos e irmãs tenham vida  mais plena; então nossa vida será marcada de verdade pela espiritualidade da Páscoa.
(*) Gregório Lutz é sacerdote espiritano e professor de Liturgia. Está traduzindo o Missal romano.

http://www.fc.org.br/publique/cgi/public/cgilua.exe/sys/reader/htm/preindexview.htm?editionsectionid=2&user=reader

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