sábado, 21 de julho de 2012

Envelhecer com independência

A casa da dona de casa Líbera Marchesini de Santos Souza, 74 anos, em Jaguariúna (SP) está sempre movimentada. Todos os dias, pelo menos algumas de suas quatro filhas, nove netos e cinco bisnetos lhe visitam. Nos domingos o almoço é sempre em família. Mas uma condição precisa ser respeitada: enquanto for possível, ela quer ter o seu cantinho, uma vida independente.
 Como Líbera, um em cada cinco idosos brasileiros mora sozinho, índice semelhante ao de países como Itália (22%) e Portugal (18%), mas abaixo de EUA (27,5%) e França (29%), como mostra o instituto de pesquisa Datafolha, com base em informações da Eurostat, agência de estatísticas da União Europeia.

O fenômeno é mundial vem crescendo graças a uma combinação: vive-se mais e em melhores condições de saúde preventiva. A prova é que 67% dos que moram sós dizem que realizam todas as tarefas domésticas. Os ajudados somam 30%, 14%, por parentes e amigos; 16%, por empregadas. O dia-a-dia de Líbera confirma os números. Viúva há 12 anos, ela faz questão de cuidar da casa. “Algumas vezes por semana uma de minhas netas vem me ajudar e alguns serviços mais pesados, mas, enquanto eu puder, eu cuido da casa”, diz. Mas sua vida não se resume apenas aos afazeres domésticos. Líbera, participa toda semana do grupo de terceira idade, chamado Vida Ascendente, na paróquia perto de sua casa e se encontra todas as tardes com as amigas para a orações na Igreja. Ela tem consciência que se um dia precisar, será ajudada. “Enquanto minha saúde deixar eu ficarei aqui em minha casa. Sei que se um dia precisar ir para casa de alguma filha, elas irão me acolher. Mas por enquanto eu quero ficar no meu cantinho”.

Um Brasil cada vez mais idoso – O professor de geriatria da Unifesp (Universidade federal de São Paulo), Clineu Almada Filho, chamou a atenção para o fato de haver um envelhecimento da população brasileira. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009 (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a faixa etária acima de 60 anos corresponde a 11,3% do total da população do país e revela, ainda que o envelhecimento repercute diretamente nos arranjos familiares e domiciliares, destacando que os idosos estão morando sozinhos.

“O envelhecimento por si só não significa uma doença, mas vem acompanhado de algumas enfermidades próprias dessa fase da vida. Se essas doenças não interferem na funcionalidade do indivíduo, ou seja, esta pessoa continua sendo independente para realizar as atividades do dia-a-dia, não há problema nenhum em viver sozinho”, explica o médico.
Embora não se tenha uma comprovação científica, Clineu revela que os profissionais de áreas voltadas para idosos, da geriatria e gerontologia, percebem que o melhor lugar para o cuidado dos idosos é em casa, “onde se está acostumado com suas coisas, memórias, sensação de identidade e propriedade”, salienta.

Aposentadoria não é o fim – Outra realidade que envolve os idosos é quando eles se aposentam e podem perder a sua identidade correndo o risco de não exercer função social nenhuma. “Essa descaracterização da identidade é muito prejudicial”, alerta o médico. “Por isso, esses grupos de terceira idade, clubes e até faculdades são muito importantes para que os idosos tenham atividades, interajam com outras gerações e acompanhem o dinamismo do mundo”. 
Aposentada, a professora paulista Liliane Renée Duval, 77 anos, sempre teve uma vida independente mesmo quando morava com seus pais. “Depois que me aposentei, me fiz a pergunta: trabalhei tanto, e agora eu vou parar? A vida não terminou ainda. Portanto, tenho que me organizar de maneira que eu fique contente com minha vida”, conta. Sempre atuante mesmo fora da profissão, Liliane se dedicou a trabalhos voluntários, mas alerta que não se pode esquecer do cuidado com a saúde e bem estar intelectual e espiritual. “Continuo a ler muito sobre tudo. Porque não se pode parar. Por isso é preciso se atualizar em todos os aspectos”, revela.  Para cuidar da saúde do corpo e da mente, Liliane faz caminhadas, vai à academia, e até participa de um coral. “Com o passar do tempo, se você não exercitar também a voz, ela fica atrofiada”, explica.

Independência, não solidão – Liliane não deixa de ter uma vida social. Ela dirige, viaja sozinha. Vai a todos os lugares da cidade. “Claro que saio também com pessoas conhecidas, amigos, familiares, mas se não tiver quem me acompanhe, isso não me impede de sair. Se você vive, você deve viver em todo canto”, afirma, garantindo que isso não se trata de solidão, mas de independência.
Em sua atuação social, além de ser voluntária na Igreja, Liliane ajuda na confecção de material didáticos para deficientes visuais. “Não se pode deixar de colocar seu saber a disposição”.
Mesmo solteira e sem filhos, Liliane também deixa um alerta para os filhos de pessoas idosas. “Esses filhos, muitas vezes, tiram a liberdade das pessoas idosas. Porque eles colocam barreiras na tentativa de proteger seus pais. É por isso que as pessoas idosas que sempre foram dependentes acabam sempre continuando assim. É preciso acreditar na capacidade dessas pessoas”.


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